terça-feira, 16 de junho de 2009

A morte de um jornal diário

Tava pra publicar isso faz tempo, mas sempre me esquecia de fazer a tradução. O Tucson Citizen, do estado americano do Arizona, encerrou suas atividades em papel e hoje conta apenas com seu website. O encerramento das atividades aconteceu por causa da - adivinhem - severa crise financeira internacional que afetou principalmente os Estados Unidos. Até o final do ano passado, mais de 100 jornais diários haviam terminado suas operações, e esse número continua crescendo.

Aqui no Brasil, os jornais diários, bem como a economia no geral, vêm mostrando certa resistência ao cenário carrancudo. No entanto, pelo menos uma grande vítima se registra: a Gazeta Mercantil, que deixou de circular ao final do mês passado.

Abaixo, vai uma carta aberta de Mark Evans, editor-chefe do Tucson Citizen, que manteve seu emprego, mas teve que dar adeus a vários de seus colegas que foram demitidos. A versão original da carta está em inglês nesta página. A tradução é minha.

Uma tristeza na redação

Eu não gosto de estar triste.

É uma droga.

Eu deveria estar feliz. Eu tenho um emprego. Ainda mais que 50 dos meus ex-colegas no Tucson Citizen não têm, e nem terão em breve, julgando pelos meus recentes esforços em [lhes] encontrar algum trabalho.

A economia é brutal. Eu quero que ela melhore rapidamente para que meus amigos possam encontrar trabalhos.

Mas isso é poliana*

Hoje, segunda-feira, estou sentado nessa imensa redação capaz de suportar 80 ou mais jornalistas ouvindo o eco da minha digitação. Não há mais agitação para apagá-lo como havia antes.

Sem risos, sem gritos, sem bate-papo, sem alguns a toa, sem o click click click de dúzias de repórteres digitando.

Só o silêncio, majoritariamente.

E isso é triste. Isso não é mais uma redação. É um depósito de mesas e computadores.

O Tucson Citizen fez uma vigília na noite de domingo num pub na quarta avenida. Quase todo mundo que costumava trabalhar aqui estava com suas esposas, parceiros, amigos e família. Eu fui com minha esposa e me senti terrivelmente na festa.

Ninguém me fez sentir dessa maneira, é claro, todos me saudavam e alguns estavam realmente felizes por mim.

Eu não sabia o que dizer. "Eu sinto sua dor" pareceria banal e dissimulado. Dizer "eu lamento" ficou velho rápidamente, então eu disse "Espero que as coisas melhorem para ti em breve."

Boa sorte? Eu não poderia dizer isso. O que a sorte tem a ver com isso/

Nada disso era nossa culpa.

Estes eram jornalistas que trabalhavam duro, que vinham aqui coletar e reportar os acontecimentos. Eles trabalhavam 60 horas por semana - mas anotavam apenas 40 em seus cartões de ponto - para assim contar aos cidadãos de Tucson o que acontecia na cidade. Repórteres cidadãos tentaram dar aos seus companheiros a informaçção que eles precisavam para tomar os rumos de suas vidas bem informados.

Eles o faziam porque amavam o que faziam, não porque era um emprego. Jornalismo é mais uma paixão que uma carreira. Aqueles sem uma chama flamejante devem ir embora logo e ir para relações públicas ou direito ou qualquer outra coisa.

Ou você ama esse trabalho ou vai fazer outra coisa. Não há meio-caminho.

Parado num canto do bar eu podia ver que o a chama ainda brilhava na maioria deles, corajosamente tremulava em outros.

Eu quero que eles encontrem outros empregos jornalísticos. Gostem ou não, não há democracia sem uma imprensa livre. Nossa sociedade, nossa cultura, nossas próprias vidas dependem dos jornalistas que coletam e reportam os fatos.

É minha grande esperança que este novo Tucson Citizen ascenda e seja a próxima grande coisa; um site que una o poder da comunidade e direcione essa energia rumo às melhorias de Tucson por meio do entendimento, perspectiva e tolerância.

Eu espero que meus ex-colegas que ainda tenham esse fogo usem-o para ingressar neste nova, desconstruída indústria de notícias - blogando as notícias, puxando os pés dos políticos para o calor, dando voz àqueles sem voz, confortando os aflitos e afligindo os confortados.

E fazendo isso, haverá um lugar a eles aqui, na sua antiga casa.

Deve haver uma maneira de ganhar alguns tostões no processo.

Talvez, isso também, seja poliana.

Talvez. Mas eu trabalharei mais duro nisso do que em qualquer coisa antes para fazer com que não seja.

Eu vou sentir a falta de cada um de vocês.

*poliana é uma palavra em inglês que descreve um positivismo exacerbado. O verbete se baseia no romance Pollyanna, onde a personagem-título sempre mantinha uma atitude otimista mesmo contra tudo e contra todos.

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