quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sinta na pele

No momento em que escrevo este artigo, a proposta de emenda à constituição 438/2001 ainda está para ser votada na Câmara dos Deputados. Se trata de texto extremamente simples. Ele altera o artigo 243 da Constituição Federal e decreta que se um proprietário de terra for flagrado com trabalhadores escravos, a posse das terras passa a ser dos empregados. Aqui você pode consultar a totalidade do documento.

Como vocês podem ver essa pequena e importante alteração ao artigo da CF vem rolando desde 2001. É sabido que as coisas demoram para rolar no Congresso Nacional até se transformarem efetivamente em alguma coisa. No entanto, a alteração dessas meras linhas enfrenta um obstáculo ainda maior. Um pessoal com grana e que acha que, por sustentar um setor importante da economia, acha que pode passar por cima de tudo. A tal da bancada ruralista.

A face mais conhecida da Frente Parlamentar da Agropecuária é a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), mas ela é um organismo numeroso com 209 deputados e 13 senadores de acordo com o site do grupo. Ou seja, eles podem fazer muita coisa. E, ao contrário do que se pensa, é uma força que abrange quase todo o espectro partidário, até gente do Partido Verde.

Entre os nomes menos conhecidos está o do deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), vice-presidente da Frente para a região sul. Em entrevista ao G1, Heinze diz o seguinte: “É uma insanidade votar essa PEC. Não sou a favor de trabalho escravo, mas sem definir essa questão seria irresponsável deixar ao arbítrio de um fiscal a expropriação da terra”

Depois, quando informado sobre o fato de que o Código Penal já dá as providências sobre a definição do trabalho análogo à escravidão em seu artigo 149, Heinze questiona: "Sem definir o que é jornada exaustiva e trabalho degradante não é possível aprovar a matéria. Com que critério o fiscal vai definir isso?"

Eu devolvo a pergunta, deputado. Do que os proprietários rurais têm medo? Não são pessoas boas? Não fornecem condições de trabalho adequadas a seus funcionários? O que temem? Por que a Frente Parlamentar da Agropecuária se empenha em barrar uma legislação simples que garantiria a punição a criminosos e não traria problemas ao proprietário rural honesto?

Deputado, eu acho que é fácil definir o que é uma condição degradante de trabalho. O senhor precisa mesmo de números? O que a bancada deseja? Que a lei estabeleça que 1,5 litro de água pra cada trabalhador é o adequado e 1,2 litro corresponde à escravidão? Que os cubículos devem medir determinada metragem para que não incida punição sobre o fazendeiro? Que um real por dia e não dois sujeitam um criminoso à punição.

É fácil determinar o que é uma condição degradante. Sinta na pele, deputado.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O contágio e o sétimo bilionésimo

Tem um filme novo por aí. Se chama "Contágio." Vi o trailer. A premissa lembra "Ensaio sobre a Cegueira", mas sem a parte da cegueira. As pessoas vão ficando doentes sucessivamente por causa de uma moléstia que se transmite pelo ar. A doença - pelo menos no trailer - parece se transmitir rapidamente, matar rapidamente e aparentemente não há tratamento a vista.

Pelo que vi, o filme joga com o nosso sentimento de manada. Aquela coisa de que um ser humano sozinho é racional. Dois talvez. Um monte e somos todos influenciáveis e atemorizados.

A coletividade é uma coisa legal quando está tudo bem. Quando nosso artista favorito sobe num palco e canta a música que gostamos. Quando nosso time marca um gol e estamos no meio da torcida.

Mas, a bem da verdade, coletivamente somos um rebanho. A palavra "rebanho" mais do que nunca cabe aqui. Sem essa de sentido bíblico. Somos animais com medo do matadouro. Se estamos todos com fome, um bando de animais brigará por um pedaço de comida. A sede fará nos matar em busca de uma gota d'água. Se uma doença aparecer, nos isolaremos se estivermos longe, mas se estivermos todos no mesmo lugar, gritaremos em pânico e arrancaremos um a pele do outro enquanto amaldiçoamos deus e o diabo.

Somos 7 bilhões. Somos, seremos e deixaremos de ser quando uma mãe, dentro de pouco tempo, parir o oitavo bilionésimo habitante do planeta. E assim será, sucessivamente, cópula após cópula.

E ainda podemos nos dar ao luxo de nos isolarmos minimamente neste mundo de sete bilhões. Mas... e quando todos formos manada? Quando os recursos começarem a se esgotar, quando o isolamento não for mais possível, nos olharemos em pânico. Quem tiver a arma maior - financeira ou com balas mesmo - ainda será capaz de se isolar e de guardar um pouco de comida e água.

Mas é inevitável, meus amigos. Caminhamos a passos largos para a auto-destruição. Que promete ser sangrenta e recheada de agonia. Prevendo isso, eu pelo menos tento ser um pouco hedonista e não me deixar levar por essa sustentabilidade pregada por bancos, fábricas de refrigerante e governos. Não somos sustentáveis, nunca fomos. E não seremos.

Minha sorte é que eu não estarei aqui quando a convivência se tornar insuportável e guincharmos como hienas atrás de carniça. Ou o que sobrar da carniça.

Boa noite.

terça-feira, 15 de março de 2011

O imponderável e o vento

Ouço dizer no rádio que o vento é um fator muito importante a ser considerado nessa crise do Japão que se sucede. Que é o elemento controlado por Éolo poderia carregar a radioatividade pelo Pacífico até as praias do Chile e da costa oeste dos Estados Unidos e mais além até. Poderia chegar às nossas pradarias brasileiras.

Imediatamente me veio à mente um trecho de Watchmen. É quando o presidente Nixon pensa sobre o impacto que as armas atômicas russas fariam em território americano antes de um contra-ataque. Elas atingiram a costa leste inteira, mas o fator determinante para a sobrevivência americana seria o vento. Ele espalharia ou não a radiação para o cinturão agrícola ianque e decidiria se os americanos morreriam ou não de fome.

O destino está nas mãos do imponderável. Na ficção e na realidade. Na verdade, eu não tenho a menor ideia de como essa "poeira atômica" vai se espalhar pelo mundo. Se isso vai afetar gente do outro lado do mundo de onde as explosões de Fukushima acontecem. Tomara que não acontece nada e que o sofrimento dos japoneses seja o menor possível.

Mas a gente fica nas mãos do imprevisível. Ou do imparável. Alguns vêem a mão de Deus em meio às tragédias naturais. Eu sou ateu, escolhi por não acreditar no que não existe. Mas é da natureza humana querer controlar a tudo. Parece que certas coisas, no entanto, estão fadadas a permanecerem incontroláveis e a unica coisa que podemos fazer e nos adaptarmos. Ou perecermos.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Simplesmente pelo tempo

Não foi por causa duma briga, dum rompimento. De alguma coisa que eu fiz ou você deixou de fazer. Talvez eu fiquei mal acostumado com o teu sorriso, com a tua gargalhada a me acompanhar todos os dias. Com você tão linda eu fiquei anestesiado.

Era você tão moleca, tão descobridora dos fatos. Às vezes irritada com os percalços da vida. Éramos duas mentes de adolescentes colocados em corpos dessa idade estranha de vinte, vinte e um anos que não sabem exatamente onde estão na vida. A cada solavanco que nos fazia quase bater a cabeça no teto do ônibus, uma vez que o motorista do articulado não liga pra quem senta nas últimas cadeiras. E ríamos e ríamos.

Mas as pessoas crescem. Acho que só eu não cresço. Fico aqui, teenage dirtbag a imaginar essa puberdade tardia. Essa adolescência bêbada em que eu desequilibro as contas da faculdade e do celular com as cervejas tomadas de canto em canto e os acordes desafinados desferidos nos karaokês da vida.

Mas é você quem está certa. Certa ao arranjar uma pessoa certa para você. A enfim ter uma amiga, mulher como você e não este bufão. Ao fazer os cursos e prestar os concursos que levem a tua vida pra frente. Correndo pelas manhãs, correndo pelas frestas de garantir uma vida mais tranquila no futuro. Ah esse futuro. Ah esse maldito futuro.

E, de repente, vão-se os dias, vão-se as semanas e é cada vez mais sozinha a última cadeira do ônibus. É mais silencioso a volta pra casa. Ao invés de duas orelhas dividirem o mesmo fone, vou ouvindo sozinho o Éder Luís, o José Silvério.

Não posso nem gritar contigo. Não aconteceu nada. Você simplesmente cresceu para a vida e está fazendo o que deve. Enquanto eu, a te ver todo dia, sorrio e fico um tanto feliz, mesmo gauche. E só vem uma música na cabeça

If it's so, well, let me know
If it's no well I can go
I won't make you

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

As vinhetas copiadas do Patrão

Todos nós já sabíamos, mas o Pânico na TV fez questão de escancarar nos últimos anos o hábito do Patrão de passar suas férias nos Estados Unidos. E não é só com fotografias e bonequinhos do Mickey que ele voltava. Sílvio Santos provavelmente era fã do trabalho de vinhetas das televisões americanas.

Num tempo sem TV a cabo ou Youtube, era muito mais fácil simplesmente copiar idéias e (tentar) reproduzí-las na sua emissora particular. Abaixo você confere quatro casos em que o patrão simplesmente chupinhou, kibou, copiou as idéias de ABC, NBC e HBO. Se você conhecer ou lembrar de mais alguma, deixe o link nos comentários que depois eu incorporo aqui.

NBC let's all be there (1985)



Acha Aqui (primeiramente veiculada em 1987, o vídeo da versão é de 1989)



Come on home to NBC (1986)



Vem que é bom! (1990)


Notem que, não me perguntem por que, a vinheta acima foi veiculada no... Fantástico!

America's watching ABC (1990)


Fique ligado no SBT (1995)


HBO feature presentation (década 1980)


Vinheta de passagem TVS Rio (1989)


terça-feira, 30 de junho de 2009

Espero estar enganado (ou porque não concordo com o #forasarney)

Olá. Vou explicar bem rapidamente o assunto porque provavelmente já sabe do que se trata. Todos conhecemos José Sarney. E a maioria de vocês conhece o twitter (se não conhece, clica aqui). Quando você publica determinada palavra com um sinal de jogo da velha (#), ela passa a ser indexada com mais facilidade nos trending topics, que é a listagem onde ficam colocados os assuntos mais comentados na rede de micro-blog. Espero que você tenha entendido.

Um movimento capitaneado por usuários como Marcelo Tas, Rosana Hermann, Rafinha Bastos, Rodrigo "Vesgo" Scarpa e Marcos Mion, todos eles com uma parcela de fama maior ou menor, mas todos com vários seguidores, decidiram utilizar e incentivar a inscrição da expressão #forasarney em suas micro-mensagens. Eles conseguiram espalhar o evangelho e a palavra apareceu entre os assuntos mais comentados da rede.

Isso é muito legal, isso é muito bonito. Mas aí eu começo a pensar e acho que se trata de esforço inútil. Já já eu passo a delinear porque tenho essa opinião, mas antes quero deixar bem claro que também acho José Sarney uma figura nefasta, um símbolo do coronelismo e todas as ofensas possíveis que você possa encaixar aqui. Só o fato dele ter buscado se eleger senador pelo Amapá pois poderia ter dificuldades em determinado ano no Maranhão (estado onde ele e seu clã mandam e desmandam há incontáveis eras) já é o bastante para a revolta.

Agora vamos aos pontos.

-Suponhamos que José Sarney se afaste da presidência do senado. EBA! YUPI! YES WE CAN! E aí no lugar dele entra... um outro qualquer. Cuja única diferença em relação ao escritor de Marimbondos de Fogo é não ter a mesma projeção e nem o mesmo poder concentrado num estado como Sarney tinha. Ele fará as mesmas coisas, cometerá os mesmos rompantes e aí... não se fará mais nada. Acabaram se as manifestações.

-Nós vivemos tempos desanimadores, pessimistas, sedentários. As manifestações, sejam elas pura baderna ou não como na Grécia recentemente, são cada vez mais raras. Não nos engajamos em mais nada, não tomamos partido pra nada. Eu me incluo nesse contingente gigante. Nunca o pós-modernismo e o conceito de fim de história chegaram de maneira tão gritante na minha mente. Aí eu observo todo mundo ensaiar uma revolta a partir de seus computadores localizados em suas casas, escritórios e lan houses. É cômodo. É muito cômodo. É planejada uma onda de protestos para o dia de amanhã (1/7). Mas aí eu pergunto: quantos que colocaram a hashtag em seus twitters estarão amanhã fazendo coro para a saída do rei do Maranhão? Essas manifestações terão coerência, engajamento, continuidade? Vou trazer a discussão para um campo com o qual estou mais familiarizado, o futebol. Vocês querem ser como o São Caetano, aparecendo bem algumas poucas vezes e depois começarem a passar suas histórias no ostracismo ou se tornarem um Manchester United onde fatores como competência, consistência e resistência fizeram do time Old Trafford uma referência mundial no futebol? Não estou pedindo para ninguém aqui se tornar uma referência mundial em protestos. Sou apenas descrente de que o #forasaney desperte a consciência política numa geração que tem se mostrado até agora indiferente a tudo que acontece. Espero estar enganado.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Pitacos sobre o diploma (1): O argumento meio bobo

O Supremo Tribunal Federal (STF) deveria votar sobre a obrigatoriedade ou não do diploma para o exercício da prática jornalística. No momento em que escrevo, já passa das 18h e não dá pra saber se a conclusão dos votos se dará hoje.

Há algum tempo, na Futebol Alternativo Off-Topics, meu fórum de discussão favorito, discutimos sobre o assunto. Naquela ocasião eu expûs o que penso sobre o assunto em alguns posts. Como a minha opinião não mudou muito, lanço essa pequena série de posts sobre o assunto.

A seguir, ipsis litteris, um argumento meio bobo, entrando de sola mesmo em quem pensava o oposto:

Gostaria que o pessoal que acha que não é necessário embasamento teórico para a prática do jonalismo escrevesse neste momento uma lauda para TV de até 40 segundos, outra para rádio em no máximo seis parágrafos e uma matéria de até 1500 toques sobre o assunto a escolher. Quero também que sugiram legendas para foto em até 67 caracteres. Acho necessário mencionar que quero uma relação com todas as fontes possíveis para que eu possa redigir a matéria também, desde a assessoria de imprensa do assunto em questão até o seu Firmino do bar da esquina que possa ter visto algo.

Ah, em duas horas.

Prometo que assim que tiver tudo isso em mãos, começo a me dedicar a autodidática na extração de pré-molares*.

*usei o argumento de dentes pré-molares pois era comparado o ofício dum jornalista a dum dentista.